Edição: David Cohen
Um cargo de nome feio tem aparecido com cada vez mais freqüência nas empresas francesas: o deontologista. Grandes grupos, como Vivendi (o maior na área de entretenimento e comunicação da França), Total (de petróleo), Saint-Gobain (da Vidraria Santa Marina) e IBM, entre muitos outros, já contam com esse profissional no organograma. Deontologia, segundo o Aurélio, é "o estudo dos princípios, fundamentos e sistemas de moral". A moral é definida como um "conjunto de regras de conduta consideradas válidas para qualquer tempo ou lugar, grupo ou indivíduo". O deontologista é, portanto, o executivo que tem a função de guardião da ética da empresa, formalizando regras de boa conduta e instituindo regulamentos para os funcionários. Ele está sempre atento às ações na Justiça por parte de consumidores, defensores dos direitos humanos ou do meio ambiente. Também é todo ouvidos às interrogações dos acionistas preocupados com o futuro moral das corporações nas quais investem seu dinheiro.
A maioria dos deontologistas vem da magistratura, mas também podem ser ex-dirigentes de filiais ou funcionários aposentados. Quem não assume a denominação pode constar no organograma como "encarregado das questões éticas" ou algo similar. Nas empresas francesas em geral os deontologistas trabalham com o grupo jurídico e com uma equipe de risco de gestão, formando uma comissão de deontologia, e respondem diretamente à presidência.
A nova onda francesa começou no sistema financeiro. Desde 1997, o regulamento do Conselho dos Mercados Financeiros (CMF), entidade que controla as atividades financeiras na França, exige a presença de um deontologista em cada empresa do setor. Os cerca de 800 deontologistas financeiros em atuação na França foram obrigados a passar por um exame para exercer o posto. "Eles são responsáveis pela vigilância à integridade e transparência do mercado", diz Bruno Gizard, secretário-geral adjunto do CMF. A Inglaterra é o único país europeu, além da França, onde a existência do deontologista financeiro, batizado em inglês de compliance officer, é obrigatória.
Segundo o ex-magistrado do Tribunal de Contas francês Yves Medina, hoje deontologista da empresa de auditoria PricewaterhouseCoopers, dois fatores devem provocar a proliferação do novo cargo nas corporações planeta afora. O primeiro: o aumento da concorrência num mundo cada vez mais globalizado e no qual a ética seria um diferencial. O segundo: a eclosão de escândalos, como o protagonizado recentemente pela ex-sétima maior corporação americana, a Enron, que foi à falência do dia para a noite, deixando um rastro de destruição formado por documentos comprometedores e telefonemas de última hora para ministros.
A idéia é seguir o raciocínio que diz ser melhor prevenir do que remediar. Não foi por acaso que o grupo Total nomeou um deontologista logo depois de o cargueiro Erika ter naufragado na costa francesa, em 2000, quando toneladas de óleo foram despejadas no mar, provocando um desastre ecológico de grandes proporções e uma indignação pública maior ainda.
Medina é também vice-presidente do Observatório da Responsabilidade Societária das Empresas (Orse), uma organização não-governamental que ajudou a fundar há um ano e meio na França, cuja finalidade é provocar uma reflexão geral sobre questões éticas nas empresas. "A deontologia tornou-se um elemento fundamental de gestão para o verdadeiro sucesso das empresas numa nova etapa do desenvolvimento capitalista", diz Medina. Sua aritmética: lucro + deontologia = lucro justificado. "A humanidade se empobrece não só por causa dos fracassos mas também pelo sucesso -- ilegítimo -- das suas corporações."
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