Site - Poderia contar-nos sobre os objetivos da Fundação Fides e qual o seu envolvimento com a ética empresarial?
Peter Nadas - A FIDES - Fundação Instituto de Desenvolvimento Empresarial e Social vem, desde 1986, atuando em quatro grandes vertentes que visam mobilizar a sociedade civil brasileira na busca do Bem Comum: o Balanço Social, a Ética na Atividade Empresarial, o Diálogo Social e a Formação de Novas Lideranças.
A Ética na Atividade Empresarial é uma dessas vertentes. O tema vem sendo desenvolvido desde o primeiro Simpósio Internacional que a Fundação organizou, em 1987, sob o título "Aspectos Éticos da Dívida Internacional", seguido pela publicação do livro com o mesmo nome.
Posteriormente, a FIDES realizou ainda outras atividades sobre Ética, entre as quais destacam-se: Um Simpósio internacional sobre Ética na Empresa, com a presença de dirigentes de empresa norte-americanos e brasileiros, seguido da edição do livro "Ética no mundo da Empresa";
Um Seminário e uma seqüência de workshops sobre ética empresarial, com a presença da Professora Laura Nash, da Universidade de Boston, EUA, em São Paulo e em Salvador.
Uma Pesquisa nacional, realizada em conjunto com a Arthur Andersen e a Gazeta Mercantil, sobre Ética na Atividade Empresarial, com consulta a 1000 empresas e publicação dos resultados no Documento Fides nº 1.
Uma nova Pesquisa com o mesmo objetivo foi levada a efeito no final de 1999, os resultados foram debatidos em Seminário realizado em janeiro de 2000 e o Documento Fides nº 2, contendo esses resultados, foi publicado em maio de 2000. Além do apoio da Arthur Andersen, a FIDES contou ainda com a parceria do SERASA e do Conselho Regional de Administração de São Paulo.
Um ciclo de conferências e seminários foi realizado, em final de abril de 2001, sobre "Ética, o Desafio para as Organizações do Século XXI", com a presença da Professora Laura Nash, atualmente pesquisadora sênior da Universidade de Harvard, nos EUA.
Para a maior efetividade das ações no campo da Ética Empresarial, a FIDES mantém um Convênio de Cooperação com o CENE (Centro de Ética nos Negócios e na Economia) da Fundação Getúlio Vargas.
Pessoalmente, estou convencido de que, além de estar na origem de qualquer ação voltada para a Responsabilidade Social Empresarial, tão comentada nestes tempos, a vivência de uma Ética Empresarial é absolutamente indispensável para que o Brasil possa participar de forma positiva do processo de globalização que está em curso.
Neste sentido, a Fundação Fides está se associando a uma rede internacional de Institutos de Ética Empresarial, liderada pelo Ethics Resource Center, de Washington, com membros localizados principalmente nos países em desenvovlimento, tais como a África do Sul, a Turquia, a Colômbia, a Rússia e outros. A troca de experiências a respeito de projetos e práticas deverá enriquecer sobremaneira a ação da Fides.
Site -É possível desenvolver pesquisa para avaliação do clima ético das empresas? Como se dá a participação delas? Suas respostas são confiáveis?
Peter Nadas - As pesquisas específicas sobre clima ético têm sido conduzidas, até agora, pelo CENE – Centro de Ética nos Negócios e na Economia, da Fundação Getúlio Vargas. Com bastante sucesso, por sinal. Em função do Convênio que a Fundação Fides e a FGV assinaram recentemente, as próximas pesquisas sobre clima ético serão desenvolvidas em parceria.
As pesquisas que a Fundação Fides tem feito no passado – em 1993 e 1999 – dizem respeito mais diretamente à ética das empresas no seu relacionamento com seus diversos públicos, ou “stakeholders” (funcionários, acionistas, fornecedores, clientes, comunidade). As duas pesquisas coincidiram num aspecto: tanto os respondentes entre as 1.000 empresas consultadas em 1993 quanto os de 1999 (quando o total consultado foi de 2.000 empresas), vêem como aspecto mais importante de uma conduta ética o cumprimento das leis.
Devo dizer, entretanto, que a participação não passou de 10% em nenhuma das duas ocasiões em que a pesquisa foi feita. Isso, a meu ver, demonstra que há pouca disposição para aprofundar o assunto da ética na maioria das empresas. Por outro lado, introduz um certo viés no resultado, pois as respostas só foram dadas pelos mais interessados no assunto e que, portanto, devem praticar uma abordagem mais ética nos seus relacionamentos. Assim mesmo, para essas empresas, ser ético significa ser cumpridor das leis.
Site - Soubemos que o senhor trouxe para o Brasil, duas vezes, a Professora de Harvard, especialista em ética nas empresas, Laura Nash. Como se tornou possível esta empreitada? Valeu a pena?
Peter Nadas - Em 1993 estávamos realizando a primeira pesquisa da Fides sobre Ética na Atividade Empresarial. Estávamos procurando uma personalidade americana, especializada no tema, que pudesse fazer uma análise e a apresentação dos resultados. Justamente nessa época, Milton Mira de Assumpção, diretor da Makron Books, solicitou-me que fizesse a revisão da tradução do livro “Good Intentions Aside”, de autoria de Laura Nash (traduzido com o título “Ética nas Empresas – Guia prático para solução de problemas éticos nas empresas”). Indagamos, então, do Serviço Cultural dos Estados Unidos – USIS, se poderiam nos ajudar a trazê-la ao Brasil. Junto com o pessoal do Consulado Americano, desenvolvemos toda a programação da visita, que continha eventos em São Paulo, Salvador e Rio de Janeiro. E tudo acabou se concretizando em novembro daquele ano quando aquela programação acabou sendo realizada.
Tornamo-nos bastante amigos e nunca deixamos de trocar cartas. Trabalhamos juntos num projeto internacional da Boston University, em 1995. Quando a Fides cogitou de um novo conjunto de eventos sobre Ética Empresarial, o nome de Laura Nash, já agora integrando o corpo docente da Harvard School of Administration, surgiu naturalmente. E graças às parcerias e patrocínios, desta vez sem ajuda da USIS, conseguimos realizar também este segundo programa em abril de 2001.
Se valeu a pena? Creio que partilhar as informações sobre ética com alguém do nível de Laura Nash, que já presidiu a Society of Business Ethics nos Estados Unidos, é extremamente enriquecedor para todos os que têm essa oportunidade.
Site - Para o empresário brasileiro, é possível ser ético e ter lucros?
Peter Nadas - Acredito que no Brasil como em qualquer outro país, é possível ter lucro e continuar sendo ético ou vice-versa, ser ético e continuar tendo lucro. Ouvi uma vez uma comparação muito interessante entre o lucro e o ar que se respira. É impossível uma pessoa sobreviver se parar de respirar, como é impossível uma empresa sobreviver sem ter lucro. Mas ninguém vive só para respirar, respirar é simplesmente uma necessidade da sobrevivência. Assim também o lucro: nenhuma empresa vive só para ter lucro, o lucro é um instrumento para a sobrevivência da empresa. Diria que para as empresas que vivem só para ter lucro chegará o momento em que se tornará difícil ser ético, pois estará em jogo uma hierarquia de valores. Ou seja, se o lucro é o valor mais elevado, tudo é permitido em nome dele.
Mas se eu olho para a finalidade da empresa não simplesmente como sendo a “produção de lucros, mas principalmente a própria existência da empresa como comunidade de pessoas que, de diversas maneiras, buscam a satisfação de suas necessidades fundamentais e constituem um grupo particular a serviço da sociedade inteira”, então tudo muda de figura. E o lucro passará a ser um sub-produto, extremamente importante, é claro, da minha maneira de gerir a empresa.
Já fui pequeno empresário e, como todos, já passei por situações que exigiam escolhas de natureza ética. Chegar no fim do mês e, com o dinheiro curto, ter de escolher entre pagar impostos ou pagar os funcionários é uma dessas situações que todo pequeno empresário conhece. E a pergunta é: qual dos dois pode esperar? O funcionário que depende do salário para comer e sustentar a família, ou o Estado? Não estou dizendo que não se deve pagar o imposto, mas que protelar o seu pagamento é menos grave do que protelar o pagamento dos salários...
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